Iphan determina interdição da área do cemitério que abriga corpos de mais de 100 mil escravizados na Bahia
29/10/2025
(Foto: Reprodução) Mapa antigo da região foi estudado para localizar o cemitério, que fica no estacionamento da Pupiliera
Silvana Olivieri
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) determinou, nesta quarta-feira (29), a interdição da área do cemitério que abriga os corpos de mais de 100 mil pessoas escravizadas, em Salvador.
Segundo a decisão do órgão, o objetivo é proteção do local, que deverá ser desocupada para uma possível continuidade das pesquisas e posterior deliberação sobre a criação de um centro de memória sobre o tema no local, já que esse pode ser o maior cemitério de escravizados da América Latina.
A área fica onde atualmente funciona o estacionamento da Pupileira, na Santa Casa de Misericórdia, centro da cidade. Ele foi descoberto durante uma pesquisa de doutorado desenvolvida na Universidade Federal da Bahia (Ufba) pela arquiteta urbanista Silvana Olivieri, no início do ano.
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Após comparações de mapas da época e fotos de satélite atuais, a pesquisadora Silvana Olivieri identificou o cemitério no estacionamento.
Arqueólogos encontram primeiras ossadas no cemitério de escravizados em Salvador
As escavações começaram em 14 de maio. No terceiro dia de trabalho, os arqueólogos encontraram os primeiros vestígios: fragmentos de objetos e porcelanas do século 19. Cerca de 10 dias depois, as primeiras ossadas foram achadas. Mesmo depois disso, o local seguiu sendo o utilizado como estacionamento.
O g1 entrou em contato com a Santa Casa de Misericórdia e aguardava retorno sobre o caso, até a última atualização desta reportagem.
Relatório apresentou importância do local
Para a decisão, o Iphan levou em consideração o relatório final do levantamento arqueológico realizado na área. O material foi apresentado em uma reunião no dia 21 de outubro.
Eu Te Explico #136: cemitério de escravizados apagou parte da história de Salvador com descarte de corpos negros em valas comuns
Primeiros vestígios são encontrados em cemitério de escravizados na Pupileira, em Salvador
Divulgação
Além de representantes do Ministério Público da Bahia (MP-BA) e de arqueólogos envolvidos no trabalho, a reunião contou com a presença de representantes do Iphan, da Fundação Gregório de Matos (FGM) e do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (Ipac).
O Iphan também destacou na determinação o Termo de Interdição, que todos os sítios arqueológicos localizados em território nacional são salvaguardados pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961.
Com disso, fica proibido o aproveitamento econômico, a destruição ou a mutilação desses sítios, para qualquer fim. No caso do cemitério, os veículos, ao transitarem na área, pressionam ainda mais as camadas de aterro, fragmentando e acelerando a destruição os fragmentos ósseos.
Pesquisa
Mapas antigos ajudaram na localização de cemitério de escravizados do século 18
Silvana Olivieri
🔎 Para encontrar o cemitério, a pesquisadora arquiteta e urbanista Silvana Olivieri utilizou como fonte diversos mapas e plantas de Salvador, do século 18, para chegar até a localização do cemitério. Ela também leu artigos dos historiadores Braz do Amaral (1917) e Consuelo Pondé de Sena (1981), e um livro escrito em 1862 por Antônio Joaquim Damázio, contador da Santa Casa.
O cemitério foi inicialmente administrado pela Câmara Municipal e, em seguida, passou a ser de responsabilidade da Santa Casa. Registros históricos apontam 150 anos de atividade até 1844, quando a instituição comprou e começou a operar o Cemitério Campo Santo, localizado no bairro da Federação.
Segundo as pesquisas, as pessoas enterradas no local são, em sua maioria, escravizados. Os registros ainda mostram que indígenas, integrantes da comunidade cigana e pessoas que não tinham como custear o enterro também tiveram os corpos descartados no local.
Também há possibilidade de pessoas que participaram da Revolta dos Malês, dos Búzios e da Revolução Pernambucana tenham sido enterradas no cemitério.
Ainda conforme as pesquisas, os sepultamentos eram feitos em vala comum e superficiais, sem nenhuma cerimônia religiosa.
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